Conheça Quatro Negócios de Impacto que Trabalham a Bioeconomia na Região Amazônica
Originadas nos estados que compõem a Amazônia Legal, Amazonian SkinFood, Amazônia Smart Food, DCO Sustentável e Manioca procuram contribuir para a manutenção da floresta em pé
Cada vez mais empreendedores brasileiros têm se dedicado aos chamados negócios de impacto – ou seja, empreendimentos que buscam criar soluções para problemas socioambientais através da atividade principal da empresa; seja por meio de um produto, serviço ou forma de atuação. O relatório Investimentos de Impacto no Brasil, divulgado em 2020 pela Aspen Network of Development Entrepreneurs (ANDE), indica que há pelo menos 11,5 bilhões de ativos sob gestão com esse foco no país. E há uma região brasileira que vem se destacando cada vez mais nesse segmento: os nove estados que compõem a Amazônia Legal.
“A diversidade da região amazônica estimula a busca por soluções inovadoras em áreas também distintas, como energia renovável, cosméticos, alimentos, e insumos para a indústria”, comenta Marcos Da-Ré, diretor do Centro de Economia Verde da Fundação CERTI; realizadora e coordenadora, ao lado do Instituto CERTI Amazônia, da Plataforma Jornada Amazônia. “Em comum esses negócios têm, além da sua essência inovadora, trabalhar em conjunto com as comunidades locais, integrar conhecimentos tradicionais e contribuir positivamente para a competitividade da floresta em pé.”
A Plataforma Jornada Amazônia é um projeto com coparticipação e investimentos de Bradesco, Fundo Vale, Itaú Unibanco, Santander, Clua e Porticus, que busca criar e fortalecer um pipeline de startups para impulsionar o ecossistema empreendedor da região. Os próprios números do projeto atestam o potencial de inovação e dos negócios de impacto na região amazônica: as edições de 2021, 2022 e 2023 do Sinergia, um dos três programas dedicados à jornada empreendedora promovidos pela Plataforma, contaram com um total de 254 startups inscritas; todas com origem na Amazônia Legal e dedicadas a soluções de bioeconomia. Já no Sinapse da Bioeconomia, programa que ajuda a transformar ideias inovadoras em negócios de impacto, já foram inscritos 610 projetos da região.
Conheça, abaixo, quatro empresas que se dedicam aos negócios de impacto e trabalham com a bioeconomia na região da Amazônia Legal. Todas elas já passaram pelo programa Sinergia, da Plataforma Jornada Amazônia.
Amazonian SkinFood
Trabalhando com ativos da floresta amazônica para criar biocosméticos em formulações limpas e veganas, a startup Amazonian SkinFood, fundada em 2021, planeja agora expandir sua atuação internacional, e também se preparar para o comércio no atacado. Fundada nos Estados Unidos pela brasileira Rose Correa, a empresa doa 10% de todos os seus lucros para o projeto Ni Shunpin, do líder indígena Ixã Huni Kuin, da vila de Altamira, no Acre, onde vivem cerca de 200 pessoas. Segundo Rose, a ideia da organização é contribuir de alguma forma para a preservação da floresta amazônica e das culturas dos povos que lá vivem; possivelmente fomentando futuras iniciativas econômicas que possam aumentar a autonomia das aldeias da região.
A história da Amazonian SkinFood começou em 2019, quando Rose Correa conheceu Shane Lindner, que se tornaria seu parceiro na criação da empresa: os dois se encontraram trabalhando voluntariamente em um projeto em San Francisco, na Califórnia; e decidiram empreender juntos. Ao longo de dois anos, eles pesquisaram ingredientes amazônicos que poderiam ser usados em uma linha de cosméticos; que foi oficialmente lançada no final de 2021, com dois produtos: um creme e um óleo para a pele do rosto. De lá para cá foi desenvolvido um terceiro produto, para limpeza da pele facial.
“Tentamos reduzir o consumo de beleza, criar uma rotina de skincare mais leve”, diz Rose. “Trabalhamos apenas com ingredientes seguros para uso na pele, amigáveis ao meio-ambiente, e coletados e processados de maneira ética. As embalagens dos nossos produtos são minimalistas e sustentáveis, e informamos nelas todos os ingredientes usados nas fórmulas – que são sempre de origem vegetal. Temos uma lista de componentes proibidos, como fragrâncias sintéticas, cores artificiais, parabenos e ingredientes à base de petróleo.”
Sem dívidas e 100% autofinanciada, a Amazonian SkinFood fatura por meio de vendas diretas online e também em eventos em feiras. Entre o final de 2022 e março de 2023, a startup participou do Programa Sinergia; momento que, segundo Rose, foi essencial na ampliação de networking e na definição de um planejamento de marketing. As metas da Amazonian SkinFood para este ano incluem construir reconhecimento de marca e também planejar a entrada dos produtos no atacado. Outro objetivo é passar a vender os produtos também no Brasil. “Recebo algumas críticas dizendo que ‘não é justo’ que uma marca que utiliza ingredientes amazônicos não atenda o público brasileiro, e eu concordo”, Rose admite. “Precisamos de toda uma outra operação para isso, e, portanto, precisamos de investimento. Mas estamos trabalhando fortemente para que isso aconteça.”
Amazônia Smart Food
Pricila Almeida já atua no segmento de alimentação desde 2016, com a Santé Comida Saudável; mas começou a desenvolver a ideia que daria origem à Amazônia Smart Food ao objetivar a criação de um produto para o mercado internacional que trouxesse valor agregado aos insumos amazônicos. “Também queria algo que fosse essencial à vida humana, caso do consumo de proteína”, conta Pricila, hoje CEO da Amazônia Smart Food. “Fomos buscar uma proteína que tivesse a cara da amazônia; e a partir daí desenvolvemos a linguiça e a almôndega de açaí – veganas, sem glúten, sem transgênicos, com baixo índice glicêmico. São produtos inclusivos, que podem ser consumidos por todo mundo. Por meio da tecnologia de alimentos conseguimos desenvolver um produto inovador, disruptivo, que não existia no mercado.”
Mais tarde, a startup criou também um hambúrguer feito de tucumã. “Queremos desenvolver e movimentar essa cadeia, e, quem sabe, no futuro, ter o tucumã tão conhecido mundialmente quanto o açaí é hoje”, planeja Pricila. Em 2024, a Amazônia Smart Food – que participou do Programa Sinergia no ano passado – vai lançar também uma nova linha de alimentos; seca, sem necessidade de congelamento.
O faturamento da empresa foi crescente em 2022; mas, neste ano, a Amazônia Smart Food freou a comercialização em função da construção de sua fábrica própria, concluída em maio. Como parte de sua retomada comercial, a startup participou da Natural Tech, feira de alimentos naturais da América Latina; e vai participar ainda da Plant Based World Expo, nos Estados Unidos, em setembro, e da Anuga, maior feira de alimentos veganos do mundo, na Alemanha, em outubro. No ano que vem, a Amazônia Smart Food deve abrir um centro de distribuição em São Paulo (SP), e almeja passar a exportar para Estados Unidos, Europa e Oriente Médio.
DCO Sustentável
Fundada em 2019, a DCO Sustentável passou por uma mudança de rumos no ano seguinte, em 2020: originalmente, a startup de base tecnológica se dedicava ao mercado de serviços de consultoria e treinamento em engenharia na área de saneamento básico e meio ambiente, com foco em realizar projetos, planos e estudos de tecnologias e soluções de reaproveitamento energético de resíduos sólidos e biomassa para aplicação nos municípios da Amazônia. Depois da conclusão do mestrado do CEO Davi Cavalcante na área de energia e meio ambiente, porém, o foco da empresa foi redirecionado para a criação de tecnologias de microgeração de energia utilizando fontes renováveis, com inspiração no ecossistema amazônico.
Sediada na Agência de Inovação da UFPA, a DCO Sustentável une ciência e tecnologia ao ecossistema amazônico para gerar energia renovável. “Em 2021 entramos nesse mercado como integradores de energia solar, realizando venda, projeto, instalação e manutenção de sistemas de energia solar fotovoltaica, como uma estratégia para capitalizar a empresa para o desenvolvimento de tecnologias e ganhar reconhecimento no mercado”, explica Davi Cavalcante. “Vamos iniciar a comercialização de nossas microturbinas até o final do ano.” A partir de 2026, a empresa pretende incluir também uma rede de empresas integradoras para venda e aluguel dos produtos até o cliente final, replicando o modelo de negócio já validado no mercado de energia solar.
Entre 2021 e 2022, a startup participou do Programa Sinergia, da Plataforma Jornada Amazônia. “A programação de workshops e mentorias foi bem alinhada com o momento que estávamos vivendo”, conta o CEO sobre o programa. “Houve uma imersão no ecossistema inovador de Florianópolis, onde pudemos receber orientações e articular com os gestores do LabFab/Certi apoio para definir o processo de fabricação para o momento de estruturação da empresa. Encaminhamos e recebemos apoio do Centro de Energia Renovável/Certi na fase de testes da hidroturbina, resultando em sugestões para melhorias.”
Atualmente, a DCO Sustentável busca investidores para estruturação da empresa e início de fabricação e comercialização dos primeiros lotes da hidroturbina DCO G1; e objetiva incluir em seu portfólio um projeto de sistema de armazenamento mecânico de energia. Com projeção de faturamento de mais de R$ 70 mil para este ano, a empresa pretende expandir a atuação para o mercado da Amazônia Legal, da Amazônia Internacional, e também de outras regiões do mundo. A DCO Sustentável também apoia produtores rurais em comunidades com sistemas agroflorestais no município de Barcarena (PA), com um projeto de captação de recursos voltado à eficiência energética para aumento de produtividade, verticalização da produção e, consequentemente, aumento da renda sem necessidade de desmatamento.
Manioca
A Manioca surgiu em 2014, com a proposta de comercializar ingredientes tradicionais amazônicos para chefs e restaurantes. “O embrião da Manioca nasceu de um incômodo pessoal após eu morar por cinco anos em São Paulo”, conta a CEO e sócia-fundadora Joanna Martins. “Nessa vivência, constatei o quanto a culinária da minha região era ‘exótica’ para as pessoas que vivem fora dela, e isso me levou a perceber o quanto o Brasil é, de modo geral, distante da Amazônia. Voltei para Belém com esse incômodo e, depois de me reaproximar da história da minha família – que teve por quase 50 anos um restaurante de cozinha amazônica – e de ver o interesse por alimentos amazônicos aumentando no mercado nacional, encontrei uma oportunidade de atuar efetivamente para mudar essa realidade.”
Em 2016, Paulo Reis, que já havia atuado em vários projetos de desenvolvimento com comunidades ribeirinhas, tornou-se sócio da empresa; e da união surgiu o modelo de negócio que a Manioca mantém até hoje, pautado na criação e comercialização de produtos naturais e práticos para cozinheiros e consumidores de todo o Brasil. A companhia produz farinhas, feijões, molhos e temperos com insumos da Amazônia, comprados de cerca de 50 produtores da agricultura familiar e de comunidades tradicionais. Desde 2014, a Manioca vende para o foodservice; tendo passado a vender também para o consumidor final a partir de 2018, por meio de redes de supermercados. O ecommerce próprio da marca foi lançado em 2020.
Entre 2021 e 2022 a Manioca participou da primeira turma do Sinergia. “Participar nos trouxe novos conhecimentos e soluções para dores que tínhamos, especialmente através de mentorias, além de uma rede de contato e suporte incrível”, diz Joanna. Nos últimos dois anos, a empresa alcançou uma taxa média de crescimento de 55%. Ainda neste ano, a Manioca vai lançar uma nova linha de farofas com sabores amazônicos; e já tem produtos em desenvolvimento para estreia nos próximos anos. A empresa mantém também um programa de apoio a seus fornecedores, chamado “Raízes”, que atua em três frentes: apoio à profissionalização, monitoramento ambiental e assistência técnica para melhoria da produção.