Compostagem de lodo de estação de tratamento de esgoto
A preocupação com o descarte correto do lodo de esgotos é algo relativamente recente no Brasil. Até poucos anos, a única referência ao lodo nos projetos das ETEs, após o tratamento, era uma seta e as palavras “disposição final”, sem identificar onde seria o descarte e nem como seria feito.
Dessa forma, as empresas gerenciadoras de saneamento básico procuravam apenas se livrar do resíduo, sendo as formas mais utilizadas o descarte da torta de lodo em aterros sanitários – landfill, e o descarte do lodo líquido, bombeado através de dutos até alto-mar – descarga oceânica.
Com a crescente preocupação de preservação do meio ambiente a descarga oceânica não é mais utilizada, sendo inclusive proibida nos EUA e na Europa. Os processos que englobam a disposição final de 90% do lodo produzido no mundo são: incineração, disposição em aterros e uso agrícola através da compostagem. Diante do progressivo aumento populacional, os problemas ambientais resultantes da geração de resíduos da atividade humana exigem ações que viabilizem o equilíbrio entre consumo e reúso. No caso do lodo de esgoto não é diferente, pois além do grande volume que exigirá cada vez áreas maiores para descarte existe ainda o problema ambiental que a ausência de tratamento adequado pode causar à área onde é depositado.
Outro ponto importante é que o lodo pode deixar de ser apenas um problema sobre como e onde ser descartado para se tornar um produto que pode reduzir o uso de recursos naturais em processos produtivos, beneficiar solos degradados, entre outras aplicações que vão agregar valor a algo que até então gerava custos para ser dispensado.
No Brasil, o descarte ainda é normalmente realizado em aterros sanitários, o que agrava o problema com lixo urbano e vai contra a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que prevê a redução de resíduos sólidos urbanos úmidos dispostos em aterros sanitários.
No item “Agricultura Sustentável” da Agenda 21, programa de ação resultante da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro em 1992, a utilização do lodo de esgotos na recuperação de solos empobrecidos é incentivada, mediante a garantia da inexistência de impactos ambientais negativos.
A Compostagem orgânica é recomendada para a utilização de processos de redução de patógenos no lodo de esgoto, sendo um processo eficiente na redução e eliminação dos microorganismos patogênicos.
O uso da compostagem tem crescido muito nos últimos anos em países desenvolvidos, sendo usado em larga escala nos Estados Unidos produzindo um condicionador de solos a partir do lodo. A partir da compostagem pode-se converter biologicamente a matéria orgânica putrescível para uma forma estabilizada, destruir os patógenos, reduzir a umidade do lodo através da mistura e remoção de sólidos voláteis e assim produzir um produto que possa ser utilizado na agricultura (TSUTIYA, 2001). Um grande problema ligado ao uso do lodo de esgoto para utilização agrícola são os ovos de helmintos que estão presentes neste tipo de resíduo.
Andreoli et al. (2001) comenta que já foram realizados experimentos utilizando o melhor método de redução de patógenos presentes no lodo é sem dúvida a compostagem orgânica, desde que bem conduzida. Processos de tratamento que tenham efeito de temperatura associado ao tempo são os melhores no combate aos agentes patogênicos, sendo que há uma relação direta entre o aumento de temperatura e a diminuição do tempo de sobrevivência dos patógenos (BETTIOL et al., 2000).
A temperatura é um fator indicativo do equilíbrio biológico dentro da leira de compostagem, sendo que o registro de temperatura da ordem de 40-60ºC no segundo ou terceiro dia é sinal que o ecossistema está bem equilibrado e que a compostagem tem todas as chances de ser bem sucedida (BETTIOL et al., 2000).
A compostagem é considerada um processo de redução significativa de patógenos, originando um biossólido classe B, quando a temperatura for superior a 40ºC durante 5 dias e diariamente durante 4 horas no mínimo, atingir a 55ºC. Será considerado um processo de redução avançada de patógenos originando um biossólido classe A, se a temperatura for igual ou superior a 55ºC durante 5 a 15 dias, conforme o processo utilizado (TSUTIYA,2001).
A elevação da temperatura acima de 55 ºC é ideal para a boa eliminação de patógenos, sendo que a 60ºC, a eliminação de coliformes fecais é seis vezes mais rápida que a 55ºC. A temperatura de 60ºC alia boa eficiência de eliminação de patógenos à alta taxa de biodegradação da matéria orgânica.
Um fator importante é a tecnologia de compostagem utilizada, sendo que as leiras estáticas aeradas serão a alternativa mais eficaz na eliminação de patógenos, sendo necessário atingir temperaturas mínimas de 55ºC por pelo menos 3 dias (ANDREOLI, 2001). As tabelas 1 e 2 estão relacionadas ao tempo e as temperaturas necessárias para a morte de alguns patógenos (GOLUEKE,1984):
Material inoculante:
O material utilizado como inoculante será o composto orgânico já em fase final de maturação (estabilização) proveniente do processo de compostagem termofílica dos resíduos orgânicos (galhos, serragem e resto de horti-fruti), que apresenta uma alta atividade microbiológica. O uso de inoculantes promove uma rápida colonização dos resíduos, tornando o processo inicial bem sucedido com elevação da temperatura da leira em um curto espaço de tempo. Este inoculante serve como fonte extra de microorganismos ideais para uma aceleração inicial da temperatura. A utilização do próprio composto, sendo este pronto ou não, como fonte de inoculação é muito eficiente, tornando possível o alcance de temperaturas termófilas em 24 horas após o inicio do processo de compostagem (INACIO & MILLER, 2009).
O monitoramento da temperatura das leiras de compostagem será realizado através do uso de um termômetro bimetal com haste de 40cm, sendo feita a coleta dos dados diariamente após o início da formação das leiras. Nas leiras podem ser inicialmente 4 medidas na borda e 4 medidas na parte superior próximo ao centro. A medida que a leira for sendo refeita, ou seja colocadas novas camadas, foi possível obter um maior número de medições sendo que ao atingir o tamanho de 50 cm foram medidos 4 pontos a 20 cm do solo, 4 pontos a 40 cm do solo e 8 pontos na parte superior da leira; sendo 4 destes bem ao centro e 4 próximos a borda.
A partir do momento em que a leira atingiu 70 cm serão medidos 4 pontos a 20 cm do solo, 4 pontos a 40 cm do solo, 4 pontos a 60cm do solo e 8 pontos na parte superior da leira. No nono dia após o início da leira pode-se colocar uma nova camada de resíduos constituindo a camada média ou segunda camada. No décimo dia a terceira camada constituindo a camada superior. Portanto as temperaturas formarão medidas a 20 cm para a camada inferior, 40 cm para a camada média e 60 cm para camada superior.
No momento final, no décimo oitavo dia coloca-se sobre a camada superior da leira a camada de lodo de esgoto, resíduo que se apresentava a temperatura de 21ºC.
Levando em consideração uma redução de 90% do peso após o processo de compostagem, e a aplicação de 100 toneladas de composto orgânico de lodo de esgoto por hectare, resultará em depositar sobre o solo uma quantidade de 20 gramas/ha de Cromo, 3 g/ha de Chumbo, 81g/ha de Zinco e 51 g/ha de Cobre. Zinco e Cobre são micronutrientes de plantas.
Comparando as tabelas de concentração de metais pesados existentes no lodo de esgoto apresentados pela Paranaguá Saneamento, com as quantidades aceitáveis para o solo, é possível verificar que os elementos identificados no lodo estão dentro da capacidade ideal, não ultrapassando os limites de concentração e assim é possível a aplicação no solo sem nenhuma restrição.
A partir do desenvolvimento inicial da leira de compostagem com três camadas de resíduos orgânicos e serragem pode-se obter temperaturas acima de 60ºC em todos os pontos da leira. Esta temperatura é considerada ótima para a manutenção do processo termofílico onde os microorganismos responsáveis pelo processo de decomposição da matéria orgânica atuam de maneira positiva.
No segundo momento, após a deposição do lodo de esgoto, as temperaturas podem se manter altas principalmente nos cinco primeiros dias, demonstrando um ótimo desenvolvimento para o objetivo proposto. Os principais organismos patogênicos encontrados no lodo são: Ascaris lumbricóides com morte que podem variar até em 60 minutos a 50ºC ou 7 minutos a 55ºC, e Necator americanus com morte em 50 minutos a 45ºC.
Desta forma quando comparado com a relação de tempo e temperatura necessária para destruir os organismos presentes no lodo da de ETE o resultado pode ser positivo para as leiras. As temperaturas alcançadas serão capazes de destruir muitos outros patógenos em diversos outros tipos de lodos de esgoto. É possível higienizar o lodo demonstrando que o processo de compostagem é altamente eficiente gerando temperaturas necessárias para atingir o objetivo proposto. Burge et al.(1978) citado por Golueke (1984), decidiu usar temperaturas por regime de tempo monitorando sistemas relativos a resistências de calor por bacteriófagos como um padrão para sua pesquisa.
A literatura revela que a resistência ao calor é grande o suficiente para que se fossem destruídos todos os agentes patogênicos entéricos. Desta forma, como uma meta razoável para uma operação de compostagem, uma temperatura de 55ºC esta meta pode ser alcançada em 2,5 dias, sendo que o tempo está diretamente relacionado com temperatura atingida no processo de compostagem. Por isso, quanto maior a temperatura mais rápido será a inativação dos patógenos, enquanto que a uma menor temperatura o tempo necessário para a inativação se torna maior.
Comprova-se que através do processo de compostagem é possível obter temperaturas elevadas do lodo de esgoto, as quais são capazes de destruir os patógenos existentes no mesmo, assim higienizando este resíduo, alcançando o propósito de utilizá-lo na agricultura como condicionador de solo.
Através da compostagem do lodo de esgoto pode-se obter um ótimo composto orgânico e desta forma proporcionar um destino adequado e correto para este biossolido, diminuindo seus impactos ambientais e contribuindo para a sustentabilidade com o uso agrícola. O lodo de esgoto apresenta uma quantidade muito elevada de água em sua constituição, indicando que o processo de desidratação possui baixo rendimento.
O teor de metais pesados está dentro dos limites constitucionais e não interferem quando ao seu uso em solos para a agricultura. Pode-se sugerir a obtenção análises laboratoriais comprovando a efetiva destruição dos patógenos do lodo de esgoto, assim como utilizar o composto produzido maturado para adubação de espécies como bananeira, mamoeiro e outras espécies frutíferas e florestais que poderão indicar a real produção a partir do composto orgânico obtido.