Aumento do Desmatamento na Amazônia Coloca em Dúvida a Capacidade do Brasil de Cumprir Acordos Assinados na COP26.

País assumiu compromisso de zerar o desmatamento até 2030, mas 13,2 km² de florestas foram derrubadas em um ano, aumento de quase 22% em relação aos 12 meses anteriores
Entre 1º de agosto de 2020 e 31 de julho deste ano, o desmatamento na Amazônia atingiu a marca de 13.235 quilômetros quadrados, um aumento de 21,97% em comparação aos 12 meses anteriores. Os dados que constam no monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) vieram a público menos de uma semana após o encerramento da 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP26).
Pesquisadores da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) mostram preocupação em relação à capacidade de cumprir a meta de zerar o desmatamento até 2030. O levantamento do Inpe aponta que a área desmatada na Amazônia é a maior dos últimos 15 anos, quando a série teve início. Mesmo compreendendo a importância de acordos de longo prazo, como as metas assumidas pelo Brasil na COP26, Philip Fearnside, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) e do Instituto de Pesquisas da Amazônia (Inpa) chama a atenção para a urgência do problema. “É mais fácil prometer algo para 2030 ou 2050, mas precisamos acompanhar recortes mais curtos para avaliar o que vem sendo feito agora. E nesse sentido, o que vemos é uma tendência contrária às promessas feitas pelo governo de reduzir as emissões de gases de efeito estufa e zerar o desmatamento”, avalia.
Fearnside relaciona o aumento do desmatamento nos últimos anos ao enfraquecimento dos órgãos ambientais e do sistema de fiscalização. “Infelizmente, é evidente que o atual Governo não tem a intenção de combater com rigor os crimes ambientais”. Para o pesquisador, resta saber o que farão os outros países que assinaram o acordo ao lado do Brasil. “As pressões internacionais tendem a aumentar sobre produtos que têm origem em áreas desmatadas. Isso volta-se contra os próprios interesses do país”, frisa Fearnside.
No Brasil, a maior parte do desmatamento tem relação com ações criminosas, associadas à grilagem de terra. Diante desse cenário, especialistas acreditam que o Brasil tem uma enorme vantagem competitiva em relação aos demais países no potencial de reduzir emissões de gases de efeito estufa no curto prazo. Basta o País fazer com que a lei seja cumprida para reduzir quase a metade das emissões, sem afetar a economia. Isso teria potencial para gerar maior atratividade e agregar valor aos produtos agropecuários.
Para André Ferretti, também membro da RECN e gerente de Economia da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário, os acordos assinados pelo Brasil na COP26 foram positivos, tanto em relação ao compromisso de preservar as florestas e zerar o desmatamento, quanto reduzir a emissão do metano na atmosfera, que no Brasil é causado especialmente pelo sistema digestivo dos bovinos. “O desafio agora é fazer valer esses compromissos no dia a dia. Todos os níveis de governo, as empresas, a sociedade civil organizada e todos os cidadãos devem exercer suas responsabilidades de acompanhar e cobrar para que os acordos sejam cumpridos. A conservação da natureza e da nossa biodiversidade precisa ser colocada, de uma vez por todas, como condição essencial para o nosso futuro”, afirma Ferretti.
Segundo Fearnside, eliminar o desmatamento seria a forma mais econômica de enfrentar o aquecimento global. “Diferentemente de outros países que têm suas emissões concentradas na energia, nos transportes e em atividades industriais, nossa maior fonte de emissão de gases é o desmatamento e as mudanças no uso do solo. Embora todas as medidas para a adaptação da economia e recuperação de áreas verdes sejam válidas, como ainda temos muita floresta em pé, seria muito mais barato manter o que existe hoje do que gastar fortunas para restaurar áreas ou adaptar toda a nossa economia”, reflete.
Ferretti ressalta que é necessário olhar com muita atenção também para os outros biomas brasileiros. “A situação é muito delicada no Cerrado e na Mata Atlântica, por exemplo, respectivamente os biomas com maior taxa anual de desmatamento e o que foi mais devastado até agora. Precisamos planejar o nosso desenvolvimento socioeconômico em sintonia com a conservação da nossa rica biodiversidade em todo o território, inclusive pensando em mecanismos de adaptação e mitigação às mudanças do clima, especialmente nas cidades, que concentram mais de 80% da população do país”, pontua o gerente da Fundação Grupo Boticário, que participou da COP26, em Glasgow, na Escócia.
Sobre a Rede de Especialistas em Conservação da Natureza
A Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) reúne cerca de 80 profissionais de todas as regiões do Brasil e alguns do exterior que trazem ao trabalho que desenvolvem a importância da conservação da natureza e da proteção da biodiversidade. São juristas, urbanistas, biólogos, engenheiros, ambientalistas, cientistas, professores universitários – de referência nacional e internacional – que se voluntariaram para serem porta-vozes da natureza, dando entrevistas, trazendo novas perspectivas, gerando conteúdo e enriquecendo informações de reportagens das mais diversas editorias. Criada em 2014, a Rede é uma iniciativa da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. Os pronunciamentos e artigos dos membros da Rede refletem exclusivamente a opinião dos respectivos autores. Acesse o Guia de Fontes em www.fundacaogrupoboticario.org.br